quarta-feira, 22 de junho de 2011

Governo deve julgar torturadores

 
A Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou inválida a Lei da Anistia. O STF, na ADPF 153, declarou válida mesmo abrangendo crimes contra a humanidade. A sociedade deve ser informada sobre a solução para o conflito porque após a decisão da Corte o ministro César Peluso declarou que a eficácia se dá no campo da convencionalidade. Não revoga, não anula e não cassa a decisão do Supremo. O ministro errou. Convencionalidade no Direito Internacional tem um sentido próprio: é modo de criação de normas vinculantes. Não há uma autoridade central com as funções do Estado moderno. A norma vincula por acordo entre os Estados, por força do pacta sunt servanda. O pactuado deve ser cumprido sob pena de ilicitude.
Além das convencionais, há normas imperativas de Direito Internacional. São previstas na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. A racionalidade para os direitos humanos é clara: a proteção da vida não pode depender de acordo. O marco foi Nuremberg, que rompeu com o positivismo jurídico. Normas não constituem o Direito sem juízo de valor. A dignidade humana tornou-se o princípio dos instrumentos de defesa dos Direitos Humanos depois da barbárie nazista, a começar pela a Declaração de Universal de 1948. Os Princípios de Nuremberg, aprovados pela ONU em 1950, estabeleceram que a lei interna não isenta de responsabilidade o perpetrador. Sem o que tudo seria inútil.
Crimes contra a humanidade são imprescritíveis. Neles há na grande maioria das vezes um enorme potencial de aniquilação de seres humanos (frequentemente o imenso poder de um Estado e sua capacidade de destruição interna e externa). Há o risco de extermínio de etnias, minorias, de certos valores culturais, espirituais, sociais, expressões políticas e filosóficas. O que se protege é a própria sobrevivência da humanidade em sua inteireza, complexidade e riqueza. O poder de persecução não é relativizado.
No plano da convencionalidade, temos que o Brasil ratificou a Convenção Interamericana de Direitos Humanos em 1992 e reconheceu a competência da Corte Interamericana em 1998, com ressalva para fatos anteriores a esse ano. O caso Araguaia ficou a salvo da ressalva. A Corte delimitou sua competência aos desaparecidos porque é crime continuado, persistindo seus efeitos após 1998.
O Estado brasileiro reconheceu os fatos perante a Corte. A divergência foi jurídica. Entre os anos de 1972 e 1974, na região do Araguaia, agentes do Estado foram responsáveis pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas. O obstáculo à eventual punição dos responsáveis é a Lei de Anistia. A Corte declarou que ela não pode produzir efeitos jurídicos. Lembrou que é sem sentido manter a proscrição das violações graves dos direitos humanos e aprovar medidas estatais que absolvam seus perpetradores.
Em sentido absolutamente contrário ao afirmado por Cesar Peluso a Corte assinalou que é obrigação das autoridades judiciais efetuar o controle de convencionalidade como obrigação assumida pelo Estado brasileiro na ordem internacional. Isto deve fazer o ministro lembrar-se de que a ordem jurídica internacional não é um adorno. O presidente do STF desinformou a sociedade e as instituições políticas. O Estado brasileiro tem obrigações internacionais. Pleitear assento definitivo no Conselho de Segurança da ONU e ignorar regras internacionais desmoraliza.
Embora a Corte tenha delimitado sua competência aos efeitos jurídicos pós-1998, em voto apartado o juiz Caldas enfatizou aspectos do caráter imperativo das normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos independentemente da convencionalidade. Lembrou que é irrelevante a não ratificação pelo Brasil da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e contra a Humanidade porque ela não é criadora do Direito, mas meramente consolidadora. Desde Nuremberg reconhece-se a existência de um costume internacional que remonta ao preâmbulo da Convenção de Haia de 1907. Assim, prosseguiu, há um Direito que transcende o Direito dos Tratados e abarca o Direito Internacional em geral, inclusive o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Nenhuma norma de direito interno pode impedir que um Estado cumpra a obrigação de punir os crimes de lesa-humanidade “por serem eles insuperáveis nas existências de um indivíduo agredido, nas memórias dos componentes de seu círculo social e nas transmissões por gerações de toda a humanidade.”
A pessoa é sujeito de direito acima do poder constituinte originário. Isto há de deixar pálidos juristas formados no positivismo. Mas a idéia  de  segurança jurídica é uma falácia do Direito contemporâneo. Milhares de decisões conflitantes vêm à luz todos os dias nos tribunais e a República sobrevive. A segurança jurídica reside em princípios a que os juízes estão submetidos e a conflitos razoáveis sobre eles. Aceitar - como se fez em Nuremberg – que em casos de barbárie devem ser preservados valores universais terá a vantagem de esclarecer quando a forma positiva clássica do Estado contemporâneo ainda prevalece. Estabelecer os limites de um conceito não o enfraquece, o fortalece. Dizer "isto pode" e "isto não pode" sobre juízos racionais permite um acordo entre sujeitos democráticos para colocar o Direito a serviço da sociedade, não o contrário. Estão conceitos serão a base do Direito no 3° milênio.
Preocupam neste momento rumores de que o governo estaria disposto a apenas aprovar e instalar a Comissão da Verdade, ignorando a parte da decisão da Corte que manda fazer a persecução criminal dos torturadores. Isto não pode ser aceito, e militantes e organizações de defesa dos direitos humanos não podem contentar-se com meias soluções, sob pena de turvar suas trajetórias. Há uma opção. Não admitir que o Estado mate e faça desaparecer pessoas e tudo seja ignorado por razões políticas. É uma escolha moral amparada pelo Direito. Os que calam indiferentes que façam a escolha que não os envergonhe perante gerações futuras. E que a presidenta Dilma faça a escolha que lhe permita entrar para a História pela porta da frente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

SÓ É DIGNO DA LIBERDADE, AQUELE QUE LUTA PARA CONQUISTÁ-LA, E SEM ELA NÃO HÁ CIDADANIA.

O município de Bom Jesus do Galho se localiza a 304 km da capital, sua população segundo IBGE/2008 são 15.541 hab. A economia tem como base a pecuária de leite e a cafeicultura, mas em grande parte do município também se cultiva o eucalipto e outras culturas. A cidade recebe todos os anos milhares de fiéis no Jubileu do senhor Bom Jesus realizado no mês de Setembro.
BLOG DA ASSOCIAÇÃO MINEIRA DE DEFESA E PROMOÇÃO DA CIDADANIA E DIGNIDADE - ASSOCIAÇÃO CIDADANIA & DIGNIDADE

Termo de responsabilidade

O conteúdo das matérias e comentários originadas de outras fontes, são de inteira e exclusiva responsabilidade de seus autores pela violação de qualquer direito do cidadão.

Reservamo-no o direito de garantir o direito de resposta, desde que haja manifestação do interessado, de acordo com disposição expressa na Constituição Federal.

Contador

SEJAM BEM VINDOS

Bom Jesus está sendo saqueada por vendilhões do templo. Acorda Cidadão Bomjesuense!