A superlotação das casas prisionais e o aumento da criminalidade têm causado uma situação de caos generalizado no sistema penitenciário brasileiro. O local que deveria servir para ajudar na ressocialização dos detentos, tem se tornado curso intensivo para a violência. Em um país onde os apenados vivem em condições sub-humanas, amontoados em cubículos imundos e sem incentivo à educação, a ressocialização tem sido vista como uma utopia
A situação caótica e vergonhosa em que se encontra atualmente o sistema penitenciário brasileiro é a prova das consequências de um desenvolvimento histórico não planejado. Educação e cultura infelizmente nunca foram vistas como prioridade pelos governantes do país. Essa falta de incentivo e investimento em educação tem se traduzido em problemas cada vez mais graves de difícil solução, como o aumento da violência e a própria superlotação dos presídios.
A criminalidade no país aumentou consideravelmente nos últimos anos, produzindo uma demanda cada vez maior de casas prisionais. Na contramão disso, estão os agentes penitenciários e policiais, que não tiveram um crescimento proporcional em seu quadro de funcionários, além de sofrerem com precárias condições de trabalho. Mesmo com ações ostensivas da policia, a maior parte dos delitos não cessam com a detenção dos infratores, porque o sistema penitenciário atual não oferece condições mínimas de ressocialização. Ao contrário, os presídios têm servido como cursos intensivos para o aumento da violência.
A maioria dos apenados vive em condições sub-humanas, dividindo celas superlotadas com o triplo de pessoas do que elas comportam. Projetos de ressocialização, como oficinas de trabalho e cursos profissionalizantes acabam sendo relegados a segundo plano, por não ter infraestrutura básica para poder realizá-los. As salas onde deveriam ser ministrados esses cursos, têm sido utilizadas como dormitórios.
Uma população carcerária em um número cada vez maior do que o sistema pode absorver, e casas prisionais deterioradas e incompatíveis com as determinações legais para seu estado ideal de funcionamento, têm contribuído para a falência do sistema penitenciário. De acordo com o advogado, mestre e doutorando em Ciências Criminais, professor de Processo Penal da UPF, Gabriel Divan, as penitenciárias brasileiras só chegaram a esse ponto critico devido a uma histórica de falta de investimento no setor.
“Há uma demanda por maior ‘segurança pública’ que do ponto de vista de uma política populista se reflete em apenas buscar aumentar o encarceramento, enquanto medidas que procurem promover melhorias no sistema carcerário são sempre vistas como ‘investir dinheiro em bandido`. Seguimos com essa ilusão de que uma maior taxa de encarceramento acarreta simples e diretamente em ‘maior segurança’, o que não pode se faz verdadeiro, isoladamente”, disse.
O Brasil conta com meio milhão de presos, o que para um país com uma população como a nossa, é considerado um número elevado, figurando entre os países com maior população encarcerada do planeta. Conforme Divan, umas das principais causas se deve ao fato de que medidas que buscam melhorias técnicas e racionalizadas no setor, nunca são vistas politicamente com bons olhos porque, como se costuma dizer, não são uma boa “propaganda” frente ao senso comum, ou seja, “não rendem votos”.
“Um país com o tamanho do Brasil e com fatores culturais, sociais e econômicos como os nossos, necessariamente possui tendência a ter uma alta taxa de criminalidade e, em última escala, encarceramento. Mas a situação que chegou os presídios em maior parcela se deve ao descaso com o setor. Amontoamos pessoas como lixo e por elas serem chanceladas como ‘bandidos’ parte da opinião pública não vê nisso um problema dos mais graves”, explica.
Superlotação nos presídios
As más condições das penitenciárias prejudicam a própria segurança do local, e não oferecem espaço adequado para a prática da ressocialização. Segundo Divan, desde que existe pena de aprisionamento a dificuldade em ressocializar alguém também é pequena, afinal, uma prisão nunca foi um ambiente eminentemente adequado para tanto.
Para resolver esse problema, algumas medidas de urgência têm sido tomadas para diminuir o número de encarcerados. Uma delas é a de restringir a medida prisional, se possível, apenas para os casos justificadamente graves, como contou Divan: “Entrou em vigor esse ano um novo regime interessante de medidas cautelares, provisórias, que visa evitar ou pelo menos diminuir o número de prisões. O aprisionamento deve ser restrito a condenados que já esgotaram todas as possibilidades de recurso ou a acusados que comprovadamente tenham necessidade de aguardarem julgamento detidos, por algum motivo relevante. Precisamos prender menos. Isso se faz crucial para a situação dos presídios, e tem reflexos na nossa segurança diária. Em longo prazo, menos pessoas na ‘escola do crime’ que tem sede na maioria dos presídios brasileiros, significaria um menor número de pessoas para sempre atreladas a facções e a estigmatizacões.”
Novos presídios estão sendo construídos, mas muito deles já nascem superlotados, como é o caso do novo presídio de Passo Fundo. Pesquisas do Ministério Público Estadual, no ano passado, mostraram que cerca de 10% dos casos criminais chegam ao conhecimento da polícia, e poucos desses chegam até o Judiciário. Conforme Divan, o número de detentos e suas prisões não se mostram relevantes para definir uma maior ou menor "segurança" nas ruas.
“Prendemos muito e muito mal. No Brasil medidas como a da prisão preventiva (que deveria ser extremamente excepcional) são a regra e a ‘solução’ para qualquer coisa. Não podemos fazer mágica quanto a um problema como a criminalidade. Não existe solução que não seja de longo, muito longo prazo e que não envolva investimentos pesados em vários setores para tentar comprimir os números da criminalidade. Ao invés disso, tem-se, infelizmente, a ideia de que aumentar o rigor aprisionante vai resolver alguma coisa, quando na verdade apenas estufa mais o sistema carcerário e ironicamente contribui para o caos”, ressaltou.
Terceirização dos serviços
Uma ideia para solucionar os problemas dos presídios brasileiros seria a de terceirizar os serviços das penitenciárias. Conforme Divan pesquisas como as do sociólogo Loic Wacquant, nos Estados Unidos, mostraram desde a década de 90 que nos presídios "privatizados" estadunidenses houve um incremento considerável das taxas de encarceramento, ou seja, para manter os presídios era necessária uma grande demanda de detentos. A terceirização, portanto, na opinião do advogado pode acabar prejudicando ainda mais a situação de caos no sistema.
“Num primeiro momento parece sempre bom desinflar o Estado e colocar serviços nas mãos de entes privados que possuem mais capital de giro e aparelhamento de gestão mais leve, mais ágil. Do ponto de vista das instalações e da verba a ser injetada, logicamente parece uma boa experiência. Porém precisamos entender que não estamos aqui falando de telefonia móvel, por exemplo. A gestão de um presídio não pode ser vista como um ‘produto’, simplesmente. Para uma administradora/construtora de casas prisionais lucrar, deve haver mais aprisionamento e mais ‘clientes’ do sistema prisional. Não pode haver uma espécie de compromisso entre o Estado e uma administradora prisional para garantir sempre uma demanda de ‘clientela’ cada vez mais substancial”, opinou.
Ressocializar para o futuro
Na opinião do professor, o objetivo das casas prisionais é ajudar na ressocialização dos detentos, com penas sócioeducativas. Os presos deveriam ter acesso à educação, e a cursos profissionalizantes que os preparassem para o mercado de trabalho. Esse exemplo de presídio já é realidade em alguns países desenvolvidos, mas no caso do Brasil, isso soa quase que como uma utopia.
“Não acredito em ressocializar alguém em um ambiente prisional como o que existe no Brasil. Mas certamente investir em melhorias nas casas prisionais, mesmo em sua ambientação, não seria o mesmo que jogar dinheiro fora ou gastar com malfeitores. Seria um dos meios de ajudar a estancar o aumento da criminalidade. Não há como pensar em diminuir a violência em um país em que os apenados vivem em condições sub-humanas em sua maioria. Opções de estudo e treinamento profissional não são novidades na história do sistema prisional e podem ser interessantes, mas em geral vêm procurar remediar um problema que deveria ser prevenido. O investimento pesado em ressocializacão poderia iniciar muito antes e para fora dos muros da cadeia”, falou.
Por Beatriz Scariot - do Diário da Manhã
A situação caótica e vergonhosa em que se encontra atualmente o sistema penitenciário brasileiro é a prova das consequências de um desenvolvimento histórico não planejado. Educação e cultura infelizmente nunca foram vistas como prioridade pelos governantes do país. Essa falta de incentivo e investimento em educação tem se traduzido em problemas cada vez mais graves de difícil solução, como o aumento da violência e a própria superlotação dos presídios.
A criminalidade no país aumentou consideravelmente nos últimos anos, produzindo uma demanda cada vez maior de casas prisionais. Na contramão disso, estão os agentes penitenciários e policiais, que não tiveram um crescimento proporcional em seu quadro de funcionários, além de sofrerem com precárias condições de trabalho. Mesmo com ações ostensivas da policia, a maior parte dos delitos não cessam com a detenção dos infratores, porque o sistema penitenciário atual não oferece condições mínimas de ressocialização. Ao contrário, os presídios têm servido como cursos intensivos para o aumento da violência.
A maioria dos apenados vive em condições sub-humanas, dividindo celas superlotadas com o triplo de pessoas do que elas comportam. Projetos de ressocialização, como oficinas de trabalho e cursos profissionalizantes acabam sendo relegados a segundo plano, por não ter infraestrutura básica para poder realizá-los. As salas onde deveriam ser ministrados esses cursos, têm sido utilizadas como dormitórios.
Uma população carcerária em um número cada vez maior do que o sistema pode absorver, e casas prisionais deterioradas e incompatíveis com as determinações legais para seu estado ideal de funcionamento, têm contribuído para a falência do sistema penitenciário. De acordo com o advogado, mestre e doutorando em Ciências Criminais, professor de Processo Penal da UPF, Gabriel Divan, as penitenciárias brasileiras só chegaram a esse ponto critico devido a uma histórica de falta de investimento no setor.
“Há uma demanda por maior ‘segurança pública’ que do ponto de vista de uma política populista se reflete em apenas buscar aumentar o encarceramento, enquanto medidas que procurem promover melhorias no sistema carcerário são sempre vistas como ‘investir dinheiro em bandido`. Seguimos com essa ilusão de que uma maior taxa de encarceramento acarreta simples e diretamente em ‘maior segurança’, o que não pode se faz verdadeiro, isoladamente”, disse.
O Brasil conta com meio milhão de presos, o que para um país com uma população como a nossa, é considerado um número elevado, figurando entre os países com maior população encarcerada do planeta. Conforme Divan, umas das principais causas se deve ao fato de que medidas que buscam melhorias técnicas e racionalizadas no setor, nunca são vistas politicamente com bons olhos porque, como se costuma dizer, não são uma boa “propaganda” frente ao senso comum, ou seja, “não rendem votos”.
“Um país com o tamanho do Brasil e com fatores culturais, sociais e econômicos como os nossos, necessariamente possui tendência a ter uma alta taxa de criminalidade e, em última escala, encarceramento. Mas a situação que chegou os presídios em maior parcela se deve ao descaso com o setor. Amontoamos pessoas como lixo e por elas serem chanceladas como ‘bandidos’ parte da opinião pública não vê nisso um problema dos mais graves”, explica.
Superlotação nos presídios
As más condições das penitenciárias prejudicam a própria segurança do local, e não oferecem espaço adequado para a prática da ressocialização. Segundo Divan, desde que existe pena de aprisionamento a dificuldade em ressocializar alguém também é pequena, afinal, uma prisão nunca foi um ambiente eminentemente adequado para tanto.
Para resolver esse problema, algumas medidas de urgência têm sido tomadas para diminuir o número de encarcerados. Uma delas é a de restringir a medida prisional, se possível, apenas para os casos justificadamente graves, como contou Divan: “Entrou em vigor esse ano um novo regime interessante de medidas cautelares, provisórias, que visa evitar ou pelo menos diminuir o número de prisões. O aprisionamento deve ser restrito a condenados que já esgotaram todas as possibilidades de recurso ou a acusados que comprovadamente tenham necessidade de aguardarem julgamento detidos, por algum motivo relevante. Precisamos prender menos. Isso se faz crucial para a situação dos presídios, e tem reflexos na nossa segurança diária. Em longo prazo, menos pessoas na ‘escola do crime’ que tem sede na maioria dos presídios brasileiros, significaria um menor número de pessoas para sempre atreladas a facções e a estigmatizacões.”
Novos presídios estão sendo construídos, mas muito deles já nascem superlotados, como é o caso do novo presídio de Passo Fundo. Pesquisas do Ministério Público Estadual, no ano passado, mostraram que cerca de 10% dos casos criminais chegam ao conhecimento da polícia, e poucos desses chegam até o Judiciário. Conforme Divan, o número de detentos e suas prisões não se mostram relevantes para definir uma maior ou menor "segurança" nas ruas.
“Prendemos muito e muito mal. No Brasil medidas como a da prisão preventiva (que deveria ser extremamente excepcional) são a regra e a ‘solução’ para qualquer coisa. Não podemos fazer mágica quanto a um problema como a criminalidade. Não existe solução que não seja de longo, muito longo prazo e que não envolva investimentos pesados em vários setores para tentar comprimir os números da criminalidade. Ao invés disso, tem-se, infelizmente, a ideia de que aumentar o rigor aprisionante vai resolver alguma coisa, quando na verdade apenas estufa mais o sistema carcerário e ironicamente contribui para o caos”, ressaltou.
Terceirização dos serviços
Uma ideia para solucionar os problemas dos presídios brasileiros seria a de terceirizar os serviços das penitenciárias. Conforme Divan pesquisas como as do sociólogo Loic Wacquant, nos Estados Unidos, mostraram desde a década de 90 que nos presídios "privatizados" estadunidenses houve um incremento considerável das taxas de encarceramento, ou seja, para manter os presídios era necessária uma grande demanda de detentos. A terceirização, portanto, na opinião do advogado pode acabar prejudicando ainda mais a situação de caos no sistema.
“Num primeiro momento parece sempre bom desinflar o Estado e colocar serviços nas mãos de entes privados que possuem mais capital de giro e aparelhamento de gestão mais leve, mais ágil. Do ponto de vista das instalações e da verba a ser injetada, logicamente parece uma boa experiência. Porém precisamos entender que não estamos aqui falando de telefonia móvel, por exemplo. A gestão de um presídio não pode ser vista como um ‘produto’, simplesmente. Para uma administradora/construtora de casas prisionais lucrar, deve haver mais aprisionamento e mais ‘clientes’ do sistema prisional. Não pode haver uma espécie de compromisso entre o Estado e uma administradora prisional para garantir sempre uma demanda de ‘clientela’ cada vez mais substancial”, opinou.
Ressocializar para o futuro
Na opinião do professor, o objetivo das casas prisionais é ajudar na ressocialização dos detentos, com penas sócioeducativas. Os presos deveriam ter acesso à educação, e a cursos profissionalizantes que os preparassem para o mercado de trabalho. Esse exemplo de presídio já é realidade em alguns países desenvolvidos, mas no caso do Brasil, isso soa quase que como uma utopia.
“Não acredito em ressocializar alguém em um ambiente prisional como o que existe no Brasil. Mas certamente investir em melhorias nas casas prisionais, mesmo em sua ambientação, não seria o mesmo que jogar dinheiro fora ou gastar com malfeitores. Seria um dos meios de ajudar a estancar o aumento da criminalidade. Não há como pensar em diminuir a violência em um país em que os apenados vivem em condições sub-humanas em sua maioria. Opções de estudo e treinamento profissional não são novidades na história do sistema prisional e podem ser interessantes, mas em geral vêm procurar remediar um problema que deveria ser prevenido. O investimento pesado em ressocializacão poderia iniciar muito antes e para fora dos muros da cadeia”, falou.
Por Beatriz Scariot - do Diário da Manhã
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