segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Greve dos professores de Minas: marco histórico.

Gilvander Moreira[1]

Vejam o salário dos trabalhadores que fizeram a colheita nos campos de vocês: retido por vocês, esse salário clama, e os protestos dos trabalhadores chegaram aos ouvidos do Deus da vida... Vocês condenaram e mataram o justo.” (Carta de Tiago 5,4.6).

Dia 31 de agosto de 2011, acompanhei mais uma grande Assembleia Geral das/os Professoras/res da Rede Estadual de Educação do Estado de Minas Gerais, que estão em greve, desde o dia 08 de junho, há quase 90 dias. Foi emocionante e inesquecível e ao mesmo tempo provocou profunda indignação.. Mais de 9 mil educadores e centenas de trabalhadores de várias outras categorias, representantes de muitos sindicatos e movimentos populares transformaram a ante-Praça da Assembleia Legislativa de Minas em palco de luta. Mais quantos dias de greve serão necessários para que o Governador de Minas, Sr. Antonio Anastasia (PSDB + DEM), ouça os clamores dos educadores da Rede pública de Educação? Os clamores já estão sendo ouvidos em todo o Brasil, pelo mundo afora e chegou aos céus.
Somente após 84 dias de greve, o Governo Anastasia apresentou proposta de elevar o Piso salarial de R$369,89 para R$712, a partir de janeiro de 2012, desconsiderando o tempo de carreira e o grau de escolaridade. Os professores rejeitaram essa proposta e votaram, por unanimidade, a continuidade da greve por tempo indeterminado. A direção do Sind-UTE[2] disse: “A proposta nada mais é que o achatamento da carreira, não está aplicada a tabela de vencimento básico vigente e ela contemplaria apenas o professor, excluiria outras categorias de educadores. O Governo não apresentou proposta para os cargos de suporte à docência e por isso, também não cumpre a Lei Federal 11.738/08 que prescreve Piso Salarial Nacional.”
Em 2011, em educação pública, o Brasil ficou em 88º lugar, no ranking de educação da UNESCO. Há sete anos professora, a pedagoga Alzira de Sete Lagoas, mostrando seu contracheque com vencimento básico de apenas R$369,89 bradou: “Só retornarei para a sala de aula após o governador Anastasia começar a pagar o Piso Salarial Nacional, instituído pela Lei Federal 11.738/2008”. Os milhares de educadores, em Assembleia, gritaram: “É greve, é greve, é greve, até que o Anastasia pague o que nos deve” – o Piso Nacional, hoje, segundo o Ministério da Educação é R$ 1.187,00. Em 06 de abril de 2011, o STF[3], na ADIN 4167, definiu que piso é o vencimento básico. Acórdão sobre essa decisão do STF foi publicado em 24/08/2011, o que legitimou mais ainda a greve e as reivindicações dos educadores.
O governo estadual de Minas Gerais teve três anos para adequar o orçamento à exigência da Lei Federal 11.738, mas, na contramão do que reivindicam os professores, insiste em não pagar o piso salarial nacional e tenta justificar o injustificável. Os professores não aceitam mais subsídio, porque isso significa a morte da carreira. Logo, o governo estadual age na ilegalidade, com atuação imoral. Relatório técnico do Tribunal de Contas do Estado comprovou que o Governo de Minas não investe o percentual constitucional de 25%[4] em educação pública. Em 2009, por exemplo, o investimento foi de apenas 20,15%.
De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE – o Piso Salarial Nacional para 24 horas semanais deveria corresponder, hoje, a R$1.597,87, pois a Lei 11.738 estabelece reajustes anuais para o piso. Como o valor do piso em 2008 era de R$950,00, aplicados os reajustes de 2009, 2010 e 2011, o piso hoje teria que ser R$1.597,87. Contudo, em 2009, o Governo Federal não concedeu o reajuste.
No levantamento Mestre em Exegese Bíblica, professor, frei e padre carmelita, assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis

Um levantamento elaborado pelo Sindifisco-MG[5] para avaliar o investimento dos Estados brasileiros com a educação em relação à Receita Corrente Líquida de cada Estado, Minas Gerais é o penúltimo colocado. Há um déficit em Minas Gerais de 1 milhão e meio de vagas na educação básica. A preocupação que o Governo diz ter com o ENEM não é sincera pelos seguintes motivos: a) o Governo estadual não oferece aos estudantes toda a matriz curricular do ensino médio; b) autorizou a contratação de pessoas sem formação em magistério e licenciatura para ser professor; c) não cumpre a Lei Federal 11.738, o que poria fim à greve.
Um processo de empobrecimento dos educadores da rede pública em Minas se aprofundou desde que o Aécio Neves assumiu o governo. O tão badalado “Choque de Gestão” - que está na terceira fase -, uma política neoliberal que marginaliza os trabalhadores da educação, os servidores públicos e toda a sociedade.
Em Minas, o vencimento básico hoje de um professor de nível médio é de R$ 369 e  professor/a que tem licenciatura plena é R$ 550. Logo, o governo de Minas Gerais paga como vencimento básico quase só o salário mínimo para professor/a tem um curso universitário. Alegar que o Estado não tem condições de pagar o Piso nacional não justifica pelo seguinte: a) O vencimento básico da polícia civil é R$2.041,00; b) Minério, celulose, café e muitos outros produtos primários são exportados com isenção de impostos (Lei Kandir); c) Há dinheiro para grandes obras “como a  COPA”, construção da Cidade Administrativa, aumento exorbitante do aparelho de repressão – grandes penitenciárias, milhares de policiais, milhares de viaturas etc.
Assino embaixo do que disse Leonardo Boff, em mensagem aos professores: “Estou estarrecido face à insensibilidade do Governador Anastasia face a uma greve dos professores e professoras por tanto tempo. Ele não ama as crianças, não respeita seus pais, despreza uma classe de trabalhadores e trabalhadoras das mais dignas da sociedade.” Acrescento: Ele não respeita a sociedade que diz representar. Somente as/os trabalhadoras/os que lutam pelos seus direitos tem dignidade para ensinar cidadania.
Que beleza o apoio de Dom Tomás Balduíno aos professores, ao dizer: “Orgulho-me pela greve de vocês. Vejo neste acontecimento um dos esperançosos sinais dos tempos, semelhante ao que está acontecendo no Chile. Vocês, com seu sofrimento e angústia, estão sendo os instrumentos de Deus na construção do Brasil que queremos, a Pátria dos nossos sonhos. Por isso uno-me solidário com vocês e com todos e todas que lhes dão apoio.”
Com Cora Coralina, digo: “Propõe-se a ensinar aquele que é bom de espírito, aquele que se orgulha quando o aluno o supera. Aquele que, cotidianamente, motiva o aluno, sem esquecer-se de que um dia o foi... É aquele que, “Feliz, transfere o que sabe e aprende o que ensina.” Vejo isso nos professores que estão em greve em Minas e em muitos outros estados.
Essa greve, a mais longa da história de Minas, será um marco histórico na luta pela educação pública e de qualidade, em Minas. Que cada professor/a desenvolva pedagogias que ajudem na compreensão da vida concreta, isto é, a matemática da fome, o português da violência, a geografia e a história da exploração e dos problemas sociais, a ciência da história da vida real das pessoas.
A greve das/os professoras/res de Minas Gerais está sendo uma verdadeira escola libertadora. Quem disse que as/os professoras/es não estão ensinando? As/os educadoras/res estão nas ruas, ensinando uma verdadeira lição de cidadania, de quem não se deixa oprimir, de quem busca na luta, dignidade e justiça social pelo valor à educação, um dos maiores patrimônios que o Estado tem a obrigação de cuidar.
Atenção, Anastasia, a greve só será interrompida quando a justa, legal e legítima reivindicação da categoria for atendida: o Piso Salarial Nacional, um valor pífio e insignificante.
Enfim, benditas/os as/os educadoras/os e todos os que apoiam a luta pela educação pública e de qualidade e, assim, lutam pela transformação da sociedade.

Belo Horizonte, 04 de setembro de 2011


[1] Mestre em Exegese Bíblica, professor, frei e padre carmelita, assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis
[2] Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação de Minas Gerais.
[3] Supremo Tribunal Federal.
[4] Cf. Constituição Federal, art. 212.
[5] Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais.

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